nesta matéria:
- A maior denominação evangélica do Brasil
- Gunnar Vingren e Daniel Berg: os pioneiros das Assembleias de Deus
- O “colégio de Jesus” e a educação teológica das Assembleias de Deus
- Questões éticas sob o ponto de vista assembleiano
- O crescimento assombroso das Assembleias de Deus no Brasil e suas razões
- Os assembleianos não podem sobrecarregar demais e os outros não podem aliviar demais
- “Eu sou de São Cristóvão” e “Eu sou de Madureira”
- Pérolas pentecostais
- Deus chama quem quer, quando quer e como quer
- As Assembleias de Deus não aceitam a teologia da prosperidade
João Pereira dizia que o perigo estava às portas. E estava mesmo. Ele era e é o mesmo que rondava a igreja de Corinto: a grande quantidade de partidos dentro da comunidade. Provavelmente, o pastor John Phillip, preletor inglês especialmente convidado para pregar durante a Convenção Geral de 1981 -- no Estádio Jornalista Felipe Drummond (conhecido por “Mineirinho”), em Belo Horizonte, MG --, pressentiu o problema. Na abertura da reunião, ele abordou o assunto “A liderança segundo o conceito bíblico” e baseou-se exatamente no terceiro capítulo da Primeira Carta de Paulo aos Coríntios. Phillip referiu-se aos partidos existentes naquela igreja: o grupo “fundador” (“Eu sou de Paulo”), o grupo “intelectual” (“Eu sou de Apolo”), o grupo “tradicionalista” (“Eu sou de Pedro”) e o grupo dos “falsamente piedosos” (“Eu sou de Cristo”). O pregador visitante terminou sua mensagem assim: “Tanto o grande Paulo como o eloquente Apolo não passavam de dois jardineiros. Tudo o que você pode ter é um pedaço de pau para furar o chão e nele plantar a semente, ou um balde d’água com que regar as plantas. Nada mais. De fato, nós mesmos nada somos. Por isso precisamos uns dos outros. De nada adianta plantar, se não houver quem regue. De nada vale regar, se ninguém plantou. Somos, isto sim, cooperadores. Juntos formamos uma grande unidade com Deus”.
As palavras de João Pereira e de John Phillip foram proféticas, tanto para ontem como para hoje. Antes, o atrito era entre os megaministérios: “Eu sou de São Cristóvão”, “Eu sou de Madureira”, “Eu sou de Belém”, “Eu sou do Brás”. Hoje, ele é personalizado: “Eu sou de José Wellington”, “Eu sou de Manoel Ferreira”, “Eu sou de Samuel Câmara”, “Eu sou de Silas Malafaia”. Antes, era dentro das quatro paredes da denominação. Hoje, é público (usam-se inclusive os programas evangélicos de televisão). Em sã consciência, nenhum asssembleiano tem condições de repetir o que John Phillip disse há trinta anos no Mineirinho: “Juntos formamos uma grande unidade com Deus”.
Nesses 100 anos de história, a unidade sempre foi difícil nas Assembleias de Deus (bem como em outras denominações). De vez em quando, havia um clamor em favor da unidade, como o do pastor Altomires Sotero da Cunha, que, na Convenção Geral de 1971, propôs que a liderança de Madureira visitasse a igreja de São Cristóvão e vice-versa, “para selar a paz”, o que de fato aconteceu. Nessa ocasião, “houve perdão e abraços e muita alegria”. Contudo, 18 anos depois, em setembro de 1989, aconteceu a maior e mais importante divisão das Assembleias de Deus no Brasil, com o desligamento do Ministério de Madureira e suas convenções.
É consenso que as divisões assembleianas nunca aconteceram por questões doutrinárias, mas por disputas de campos territoriais ou por cargos. Essa é a opinião de Paulo Romeiro, que desenvolve uma pesquisa sobre os movimentos pentecostais brasileiros para a Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Segundo o assembleiano Gedeon Freire de Alencar, diretor pedagógico do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos e doutorando em ciências da religião (PUC-SP), “uma igreja que nunca teve uma direção nacional instituída, abriu espaço para figuras isoladas se fortalecerem”1. O problema é complexo e pecaminoso, porque envolve uma rivalidade entre os megaministérios e seus pastores presidentes. Os chamados “ministérios” são como denominações dentro de uma mesma denominação.
Em junho, duas comemorações separadas do centenário foram realizadas na mesma cidade, onde tudo começou, Belém do Pará: uma no dia 10, no Centro de Convenções e Feiras da Amazônia, e a outra no dia 16, no Estádio Olímpico do Pará (Mangueirão).
Na primeira comemoração, presidida por José Wellington Bezerra, a tensão diminuiu com a presença de Samuel Câmara, pastor da Assembleia de Deus de Belém. Na segunda, presidida por Samuel Câmara, ela foi de igual modo reduzida pela presença de José Wellington.
A reconciliação dos diferentes grupos pode ser difícil. Porém, de acordo com Alfredo Borges, “quando Deus exige do homem coisas que ele [com suas próprias forças] não poder fazer sem uma graça especial, ele mesmo, junto com a ordem providencia ao mesmo tempo essa graça”.2
Em meio ao barulho das comemorações, seria bom ouvir o apelo de Paulo endereçado a duas ovelhas na mesma situação dos assembleianos: “E agora eu quero suplicar àquelas duas estimadas senhoras, Evódia e Síntique: “Por favor, com a ajuda do Senhor, vivam em harmonia” (Fp 2.2, BV).
Notas
ALENCAR, Gedeon Freire. “Assembleias de Deus; origem, implantação e militância” (1911-1946). São Paulo: Arte Editorial. p. 131.
TEIXEIRA, Alfredo Borges. “Meditações cristãs”. São Paulo: Editora Metodista, 1967. p. 187.
Fonte: Revista Ultimato
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