“Creio... na ressurreição do corpo” — assim afirma o credo dos apóstolos e assim cristãos de tradições tão diversas, como católicos, ortodoxos e protestantes, têm unanimemente confessado sua fé através dos séculos.1 A ressurreição é o alicerce da esperança do crente diante da morte.
A reencarnação
Dentre todas as idéias que se opõem à doutrina cristã da ressurreição, talvez a reencarnação seja a alternativa mais conhecida. Existem variações sobre a noção de reencarnação, mas a idéia básica é que a nossa vida atual neste mundo é uma repetição de outras existências vividas em outros corpos — a alma da mesma pessoa continua reencarnando, esquecendo as vidas passadas. As vidas futuras das pessoas são determinadas pela lei do carma, que afirma que os maus atos passados estão relacionados com a vida presente, e que as ações atuais da pessoa têm implicações para as vidas futuras. O estado (social e físico) no qual a pessoa nascerá no futuro é assim determinado. Alguns hindus e budistas acreditam que a essência que é reencarnada é uma essência impessoal, o que significa dizer que a pessoa em si realmente não existe mais. Diferente do ensino oriental, a idéia ocidental ressalta um conceito mais otimista da vida, sendo que o objetivo de múltiplas reencarnações é finalmente unir-se à divindade, tornando-se divino. Em síntese, “todos os ensinos reencarnacionistas baseiam-se numa cosmovisão monista, mística e ocultista, que promove a divindade essencial da humanidade, nega a noção de um Deus pessoal soberano e oferece a promessa de sabedoria esotérica” (R. M. Enroth).
Cristo ressuscitou
Segundo C. S. Lewis (1898-1963), “Jesus abriu à força a porta que estava fechada desde a morte do primeiro homem. Ele encontrou, enfrentou e derrotou o Rei da Morte. Tudo é diferente porque Ele fez isso”. Por isso, a ressurreição de Cristo faz parte essencial da pregação da Igreja em todos os tempos. A esperança da futura ressurreição dos crentes depende da ressurreição de nosso Senhor (1 Co 15.1-19). Em sua ressurreição, Cristo venceu a morte para podermos participar da justiça que em sua morte adquiriu para todos nós (1 Co 15.17, 54-55; Rm 4.25; 1 Pe 1.3, 21). À luz dos métodos historiográficos, a ressurreição de Jesus é o fato melhor atestado em toda a história. Algumas evidências históricas da ressurreição podem ser resumidas assim:
1. O medo do poder de Roma foi totalmente ignorado quando o selo romano posto sobre o túmulo foi quebrado;
2. Tanto judeus quanto romanos admitiram que o túmulo estava vazio. Ninguém podia encontrar ou mostrar o corpo. Por isso, o silêncio dos judeus é tão significativo quanto o falar dos cristãos;
3. De alguma maneira, diante da guarda romana, a pedra de quase duas toneladas foi removida da entrada do túmulo;
4. Uma guarda militar romana, altamente disciplinada, deixou seu posto e precisou ser subornada pelas autoridades para mentir sobre o que realmente aconteceu. Foi justamente para evitar o roubo do corpo que a guarda foi exigida (Mt 27.64s);
5. A mortalha, intacta, não continha o corpo. João Crisóstomo (344-407), bispo de Constantinopla, observou que ladrões não poderiam roubar o corpo nu, porque demora-se muito para tirar o linho: “ele [o corpo] foi enterrado com muita mirra, que cola o linho ao corpo assim como o chumbo” (Hom. 54, sobre João 4);
6. Mais tarde, Cristo apareceu a mais de 500 testemunhas em diferentes situações e a maioria ainda estava viva quando Paulo escreveu 1 Coríntios, entre 55 e 56 d.C. — cerca de 25 anos após a ressurreição;
7. Flavio Josefo, historiador judeu do final do primeiro século, disse: “Das mulheres, nenhuma evidência será aceita, por causa da frivolidade e temeridade do seu sexo” (Antigüidades iv.8.15). Por causa da desconsideração do judaísmo antigo em relação à confiabilidade das mulheres, se a história da ressurreição fosse realmente uma manipulação, elas nunca teriam sido escolhidas para ser as primeiras testemunhas do fato;
8. A evidência conclusiva contra a possibilidade de que os discípulos roubaram o corpo é a disponibilidade dos discípulos de sofrer e até morrer por sua fé, crendo que realmente houve a ressurreição do Senhor. E isto depois de terem fugido e se escondido durante a crucificação;
9. É importante perceber que não existe evidência para qualquer tentativa de refutação da ressurreição de Cristo por parte de seus adversários, nos primeiros séculos do cristianismo. A igreja foi construída sobre este fato: que Jesus Cristo, uma vez crucificado, ressuscitou dentre os mortos;
10. No fim, há uma ausência total de outras explicações satisfatórias para o fenômeno da ressurreição de Cristo; qualquer outra teoria não responde a toda a evidência.
Nossa ressurreição
As Escrituras são claras em prometer ressurreição aos que crêem. Ela é ensinada no Antigo Testamento explicitamente no Salmo 16.10, em Oséias 6.2, Ezequiel 37.1-14, Isaías 26.13-19, Daniel 12.2 e implicitamente no Salmo 49.14, 15, além de outros textos. É significativo que Jesus e os autores do Novo Testamento sustentaram que o Antigo Testamento ensina a ressurreição (Mc 12.24-27; At 2.24-32; 13.32-37; Hb 11.9). No Novo Testamento, esta foi uma das doutrinas mais elaboradas, principalmente nos escritos de Paulo (1 Co 15.1-58; 2 Co 5.15-17; 1 Ts 4.16s), sendo mencionada em quase todos os escritos (At 1.22; 2.24, 32; 3.15; 13.29s; Hb 6.1s; 11.19, 35; 1 Pe 1.3, 4; 3.19s; Ap 1.5; 5.9, 10; 20.5-15). O Novo Testamento afirma unanimemente que Deus vai ressuscitar os mortos e que isso não é considerado algo difícil demais para Ele fazer (At 26.8).
A realidade de nossa ressurreição é ensinada por dois fatos. O primeiro é que Jesus foi ressuscitado no mesmo corpo no qual Ele morreu. Em Lucas 23.39, vemos que Jesus não ressuscitou apenas na forma do espírito, mas fisicamente. O segundo é que nós teremos corpos iguais ao corpo de Cristo. Ele é “as primícias dos que dormem” (1 Co 15.21). A ressurreição implica uma continuidade entre o corpo físico que temos agora e o corpo que teremos no futuro. Os próprios santos martirizados serão incluídos na ressurreição (Ap 20.5) e haverá mútuo reconhecimento (Mt 8.11; Lc 13.28). Quanto a outros benefícios que os crentes recebem de Cristo na ressurreição, o Breve Catecismo de Westminster (1647) afirma: “Na ressurreição, os crentes, sendo ressuscitados em glória, serão publicamente reconhecidos e absolvidos no dia do juízo, e tornados perfeitamente felizes no pleno deleite de Deus, por toda a eternidade”.
A continuidade entre o corpo presente e o futuro é também marcada por algumas mudanças. Mateus 22.30 diz que no céu seremos como os anjos, não casados. É discutível se isso quer dizer que não existirá macho e fêmea no céu, mas as relações sexuais não continuarão. O corpo ressuscitado de Cristo tinha o poder de aparecer de repente entre os discípulos (Lc 24.36), mas era ainda um corpo físico (Jo 20.24-28). O corpo no estado futuro terá capacidades além daquelas que tem agora. O corpo será próprio para a existência celestial que teremos. Serão corpos perfeitos, sem corrupção, poderosos e gloriosos (1 Co 15.35-58). Estaremos livres das imperfeições e das necessidades que temos na terra. Em 1 Coríntios 15.50, Paulo diz que carne e sangue não podem herdar o reino de Deus, mas isso não elimina a possibilidade de uma ressurreição física. O corpo pode ser diferente do que é agora e ainda ser composto de matéria física. Como o erudito puritano Richard Sibbes (1577-1635) disse, “Deus prepara nossa alma aqui para possuir um corpo glorioso no porvir; e preparará o corpo para receber uma alma gloriosa”.
Ressurreição: obra do Deus triúno
Todos os membros da Trindade estão envolvidos na ressurreição dos crentes. Em alguns casos, se diz simplesmente que Deus ressuscita os mortos, sem especificar nenhuma pessoa (Mt 22.29; 2 Co 1.9). Mas a ressurreição é também mencionada como obra do Pai por meio do Espírito Santo (Rm 8.11). Mais particularmente, porém, a obra da ressurreição é atribuída ao Filho (Jo 5.21, 25, 28, 29; 6.38-40, 44, 54; 1 Ts 4.16), sendo destacado que há uma ligação especial entre a ressurreição de Cristo e a nossa ressurreição (1 Co 15.12-14).
Em conclusão, os cristãos crêem com convicção que “aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo” (Hb 9.27). Por isso, têm repudiado o ensino da reencarnação como uma séria e mortífera distorção da fé evangélica.
1 Este ponto precisa ser bem enfatizado, pois em anos recentes alguns têm suposto erroneamente que a Igreja cria na reencarnação, em seu início. A Igreja cristã nunca ensinou ou creu na reencarnação. Isso pode ser facilmente refutado com uma consulta ao Didaquê 16.6 e às obras de Inácio de Antioquia (Trall. 9.2), Clemente de Roma (1 Clem. 24-26), Justino (1 apol. 18s.), Irineu de Lião (Adv. haer. 1.6.2; 1.27.3; 5.1.2) e Tertuliano (De ressurr. carn.). A reencarnação foi ainda repetidamente rejeitada pelos Concílios de Lião (1274) e Florença (1439), bem como pelo do Vaticano II (1965, Lumen Gentium, 48). Em anos mais recentes, Rudolf Bultmann pretendeu negar a historicidade da ressurreição, tentando reinterpretá-la em termos de linguagem mitológica, sendo refutado pelos trabalhos de Oscar Culmann (Christ and time; Immortality of the soul or resurrection of the body?) e Herman Ridderbos (Bultmann, a ser lançado pela Editora Cultura Cristã), entre outros. A importância da doutrina da ressurreição na pregação e ensino cristãos pode ser facilmente comprovada a partir do estudo das obras de cristãos com métodos teológicos tão diferentes como Agostinho de Hipona (Enchir. 84-87; De civ. dei 22.20.1; 22.19), Tomás de Aquino (Expositio super Symbolo Apostolorum), João Calvino (Inst. 3.25) e Karl Barth (Church Dogmatics 3.2.47; 4.1.59), ou com uma consulta aos principais catecismos e confissões de fé da Igreja cristã.
Franklin Ferreira
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