No Brasil, o espiritismo tem tradição e remonta aos dias coloniais. O catolicismo da península aportou aqui já mesclado com práticas de origem espírita. Segundo Gilberto Freyre, “o primeiro volume de documentos do Santo Ofício no Brasil registra vários casos de bruxas portuguesas” e “a clientela dessas feiticeiras coloniais parece que era quase exclusivamente de amorosos, infelizes ou insaciáveis”.
Os escravos importados da África, embora cristianizados apressadamente antes de serem embarcados, traziam no coração o culto às divindades da sua tribo de origem. Uma vez aqui, disfarçavam suas práticas religiosas com nomes de santos católicos com que pareciam ter certa semelhança.
Os indígenas, por sua vez, mantinham relacionamento de medo e dependência com os espíritos habitantes das florestas. Antes de se tornar cristão, Elcá, pajé wai-wai nos idos de 1950, era dominado pelo espírito do porco-do-mato.
No século 19, o kardecismo achou terreno fértil aqui. Assim como imigrantes de todas as etnias são bem-vindos, também cada nova religião ganha acolhida no sincretismo generalizado. O século 20 assistiu ao nascimento da Umbanda. Chegaram, então, os imigrantes orientais, da Índia, do Japão, da Coréia, trazendo o budismo, a yoga e outros.
O espiritismo parece já fazer parte da tradição do nosso país. O brasileiro cresce ouvindo o vocabulário espírita (“evoluir”, “astral”, “bons fluidos”) e vai assimilando, como por osmose, muitas de suas crenças.
Há também uma forte curiosidade em relação ao mundo invisível. Além disso, as pesquisas e as viagens espaciais atiçam a curiosidade em outra área. Filmes como ET, 2001 – uma odisséia no espaço, Arquivo X, Star Wars, levantam questões sérias. Haverá vida em outros planetas? Se há, como essa vida se relaciona comigo? Ora, o kardecismo, entre outros ismos, pretende responder a perguntas como essas. Literatura esotérica, versões modernas da antiga religião druídica, ensinos budistas e da Nova Era se unem para atrair o homem pós-moderno, pluralista e inseguro.
Entre os gigantes da literatura nacional estão espíritas. A obra de Jorge Amado, grande romancista brasileiro, apresenta o candomblé como brasileiríssimo e belo. Em Jubiabá, por exemplo, o velho pai-de-santo saúda o jovem líder comunista como “o maior de todos os orixás”. Outros escritores de peso, embora não sendo espíritas, reconhecem a força dessas crenças. Entre esses citam-se João Guimarães Rosa, com São Marcos, e Chico Buarque, com Gota d’Água.
A mídia ao mesmo tempo alimenta e é alimentada pelo desejo de experimentar o mundo invisível. Nos últimos anos, temos assistido ao incrível avanço do fenômeno Harry Potter. A série literária que registra as aventuras de um menino bruxo tem sido vendida em milhões, inclusive no Brasil, e vem sendo adaptada em filmes e video games. De acordo com o gerente da produtora, os participantes podem também tornar-se feiticeiros: “[Eles] poderão não apenas explorar a escola de magia, cenário principal das aventuras de Harry Potter, como também acumular experiência e aprender feitiços ao passarem de ano em ano por essa escola”. Em entrevista recente, a autora da série disse que foi abordada na rua com as seguintes palavras: “Já estamos praticando magias pela orientação que você nos deu”. O desejo de assim passar da ficção para a magia de verdade é bem compreensível e altamente perigoso.
Cada vez mais as novelas giram em torno de temas espíritas e não atraem apenas os adultos. As crianças também são fortemente influenciadas por essas produções. Horóscopos e conselhos espíritas fazem parte dos programas de rádio e de televisão em larga escala. E os telespectadores não deixam de querer seguir o exemplo de seus ídolos (astros da música e do esporte), que buscam aconselhamento e previsões sobre suas vidas.
A influência espírita se mostra na política também. Os espíritos são convidados a participar na vida da família e da nação, assim como os santos viviam em família nas casas-grandes do passado. Nos dias do Antigo Testamento, aliança com potência estrangeira normalmente incluía aliança com os deuses daquele povo. Hoje em dia não tem sido tão diferente. Presidentes e ministros consultam seus gurus e diplomatas brasileiros vão aos terreiros da África para ganhar vantagens políticas.
O patriotismo de algumas pessoas as empurra para o espiritismo. “Brasil, capital do mundo do terceiro milênio”, tem levado não poucos a buscar os poderes invisíveis. Além disso, o espiritismo nivela as diferenças sociais. Nos cultos de origem africana, por exemplo, descendentes de escravos e de senhores cultuam juntos. As mulheres têm lugar de destaque nas cerimônias, o que dificilmente acontece na política, na gerência de empresas ou mesmo no cristianismo tradicional.
Outro grande atrativo é o apelo intelectual, o que se observa principalmente na ala kardecista. O espiritismo apresenta aquilo que o apóstolo Paulo chama de “argumentos aparentemente convincentes” e “aparência de sabedoria” (Cl 2.4, 23). Allan Kardec, codificador das doutrinas espíritas, oferece explicações sobre a vida e a morte, o visível e o invisível, este mundo e outros mundos possíveis. Como bem afirmou Aristóteles, “não há prazer maior que aprender uma coisa nova”. A exaltação do saber tem sido isca irresistível para muitas pessoas.
Por estarem, de longa data, rodeados de forte sincretismo, muitos há que acham que ‘todas as religiões são boas’. (Essa fé confortadora evita muitos problemas, mas convenientemente ignora o fato de que na maioria delas há pontos doutrinários que são não apenas divergentes, mas totalmente inconciliáveis). A Umbanda apóia tal crença. Seu catecismo descreve cuidadosamente sua semelhança com o catolicismo romano. Outros, porém, são atraídos pela aparente satisfação de reais necessidades espirituais. Sabem no seu íntimo (a consciência ou acusa ou defende) que deveriam fazer o bem e deixar de fazer o mal. A resposta espírita a esse dilema é clara: “O mal que fiz aqui na terra tem de ser pago por mim. Se esta vida é insuficiente, há outras — não irei reencarnar? Para o bem que deixei de fazer, também existirão outras oportunidades”. A baixa exigência moral nesta vida atrai muitos. Os pecados podem ser rolados como a dívida nacional. A essa atrativo, liga-se outro, que muito agrada o orgulho humano: a pessoa pode efetuar a própria salvação, sem depender de mais ninguém. E aqui temos mais um exemplo de “argumentos aparentemente convincentes”, pois, “se a justiça vem pela lei, Cristo morreu em vão!” (Gl 2.21.) A Bíblia é clara neste ponto: “Porquanto, desconhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria, não se sujeitaram à que vem de Deus. Porque o fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê.” (Rm 10.3, 4.)
A situação da saúde no Brasil é grave. O pobre freqüentemente não tem acesso ao tratamento adequado. Enfrentar longas filas madrugada adentro e ter a consulta cancelada acaba empurrando muitos para os terreiros ou para os médicos espíritas.
Litígios difíceis levam à compra de auxílio de médiuns poderosos. Um amigo corria o risco de perder a loja da qual dependia para completar sua renda de aposentado. Quem propunha roubá-lo viajou do Rio para a Bahia a fim de alugar os bons ofícios de médium famoso. Como o rei moabita que alugou Balaão para fazer despachos contra Israel nos dias de Moisés (Nm 22-24), não mediu os gastos nem teve êxito em sua demanda.
Problemas sentimentais também levam à busca pelos espíritos. Muitas pessoas cujos ancestrais procuravam a ajuda das bruxas condenadas pelo Santo Ofício vão ao centro espírita na tentativa de resolver suas dificuldades conjugais. Há ainda a questão da saudade. E, nesse caso, a oferta é dupla. Segundo os espíritas, ninguém “morre”. A pessoa simplesmente passa de uma existência para outra, como nas aventuras de Fernão Capelo Gaivota. A outra consolação é a possibilidade de comunicação com os entes queridos que já partiram. A Bíblia, porém, é categórica: “Não se achará entre ti [...] nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro; nem encantador, nem necromante, nem mágico, nem quem consulte os mortos; pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao Senhor” (Dt 18.10-12).
Ora, o desejo de perdão, sabedoria, segurança espiritual e solução de problemas é normal e legítimo. Entretanto, não há nenhum anseio que leve alguém ao espiritismo que não possa ser plenamente satisfeito em Cristo Jesus, o Senhor. Não falamos aqui de um Jesus qualquer, mas do Filho de Deus, que se tornou homem, morreu na cruz, ressuscitou e agora vive para sempre. Nele temos contato legítimo com o mundo invisível, o perdão dos pecados e a garantia de rever, sim, os entes queridos que morreram em Cristo. E mais: nele temos a promessa de ressuscitar — não reencarnar —, de sermos como Ele e estarmos com Ele. Isso é que são boas novas. Não há esperança maior!
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