João, o autor de Apocalipse, tem uma visão na qual o próprio Jesus aparece e o manda escrever em um livro sobre as coisas que ele vai ver e ouvir. Depois João teria que enviar este livro às sete igrejas da província da Ásia que estavam sofrendo perseguição. A primeira visão que João tem é do Jesus ressuscitado, que foi morto, mas que agora vive para sempre (Ap 1.18). Existe uma conexão muito clara entre as cartas enviadas às sete igrejas da província da Ásia, nos três primeiros capítulos e o restante do livro. As cartas são uma introdução pessoal e personalizada para cada uma das igrejas. Ou seja, cada repreensão e consolo contidas nessas cartas seriam melhor compreendidas quando eles escutassem toda as visões descritas no livro de Apocalipse. Outra função dessas cartas introdutórias seria lembrar-lhes que eles eram parte de uma comunidade (Ap 1.4, 11), que eram amados por um Deus que se preocupa com eles e os conhece.
No capítulo 21, João descreve a visão de um novo céu e uma nova terra. É interessante que ele começa a descrição dessa visão com a palavra: “depois”. Reconhece que outras coisas aconteceram antes. Ou seja, há uma conexão entre a realidade que havia “antes” ou “agora”.
Depois de uma batalha épica (o Armagedom), depois da condenação eterna de Satanás, depois do juízo final das nações. Depois são descritos novos céus e nova terra. Há esperança, há um novo começo. O autor começa a descrição de um lugar onde a justiça vive, onde não existe o mal. Nos fala de esperança e nos lembra das promessas que Deus nos havia dado. “Pois eis que eu crio novos céus e nova terra; e não haverá lembrança das coisas passadas, nem mais se recordarão.” (Is 65.17). “Nós, porém, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e uma nova terra, nos quais habita a justiça.” (2 Pe 3.13).
João foi testemunha ocular de promessas que foram cumpridas em Jesus. E nessa visão de novos céus e nova terra, Deus mostra a João o que Ele ainda vai fazer. E que Ele vai cumprir suas promessas, como cumpriu a promessa do Jesus ressuscitado.
Não é uma visão estática, é interativa. O protagonista é Deus Yavé, que proclama com forte voz desde seu trono: “Aqui está o lugar onde Deus vive com os homens. Viverá com eles, e eles serão seus povos, e Deus mesmo estará com eles como seu Deus” (Ap 21.3).
Uma promessa repetida muitas vezes no Antigo Testamento, que anuncia a formação de um povo constituído por pessoas de todas as nações, raças, povos e línguas, vivendo juntos em paz (Ap 7.9).
E eu amo o versículo 21.4! Deus afirma que ele secará nossas lágrimas (Is. 25.8; Ap 7.17). O Senhor do universo, o Cordeiro cuidará de cada um nós.
A visão também descreve o que não vai mais acontecer:
Não haverá mais guerras (21.3-4)
Não haverá mais opressão econômica (21.3,4)
Não haverá mais violência familiar (21.4)
Não haverá mais o mar (21.1), de onde vêm os monstros, sinal de opressão e isolamento
Não haverá mais morte (21.4)
Não haverá mais luto (21.4)
Não haverá mais pranto (21.4)
Não haverá mais dor (21.4)
Não haverá mais noite (21.25)
Não haverá mais medo (21.25)
Entretanto, a visão não descreve apenas o que não haverá mais. Também descreve o que vai acontecer e o que já está acontecendo.
Para que seus ouvintes não tenham dúvidas, João repete que quem fala: “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap. 21:5) é aquele que está sentado no trono.
Acho interessante que, no versículo 5, o verbo está no presente: “faço” ou “estou fazendo” novas todas as coisas. Nos versículos 3 e 4, os verbos estão no futuro. Nos versículos seguintes, 6 e 7, também. Ou seja, o “já” (o que o Senhor está fazendo no presente) e o “ainda não” (o que o Senhor vai completar no futuro).
Com isso não sobra espaço para ficarmos acomodados e esperarmos passivamente a segunda vinda de Jesus. A declaração do próprio Deus que Ele está fazendo e faz todas as coisas novas nos impulsiona, nos dá coragem e nos capacita a fazer as coisas de uma maneira diferente.
A ordem das palavras, no versículo 5, está invertida: novas todas as coisas. Enfatiza que há uma nova realidade sendo criada por Deus. Esta declaração confronta a minha resignação e apatia, me impulsiona a lutar pela justiça, a viver de maneira digna do evangelho. E a ter esperança apesar do sofrimento e da maldade. Porque a palavra final não vem da maldade no mundo. A palavra final vem da boca do Jesus ressuscitado que diz: “faço novas todas as coisas”.
A visão também desafia nossa compreensão da abrangência da salvação. Confronta-nos a não reduzir a salvação a um nível exclusivamente pessoal (restauração da relação pessoal do indivíduo com Deus) ou, ir ao outro extremo e reduzi-la a um compromisso político ou ecológico. O texto bíblico deixa claro que a salvação engloba todas estas dimensões:
Redenção do cosmos: novos céus e nova terra (v.1)
Redenção da polis, da cidade: a nova Jerusalém que desce do céu (v.2)
Redenção da comunidade, de um povo, constituído por diferentes grupos étnicos (7.9), vivendo juntos em paz (v.3, 4)
Redenção da relação pessoal do indivíduo com Deus (v.7)
Redenção que vem de Deus, da Sua presença e por causa de sua presença.
A visão não termina aí. Os versículos 8 e 27 falam sobre a justiça, de que o pecado não entra na nova criação de Deus. São versículos fortes e que podem parecer um pouco “discriminatórios”. Mas ao mesmo tempo, nos dão esperança porque no fim a justiça vai ser feita. Essa mensagem está conectada com os sofrimentos e tragédias que os destinatários desse livro sofrem. A visão aponta que não vai mais haver sofrimento, porque as coisas erradas não vão entrar no novo céu e na nova terra.
É interessante que o texto bíblico também esclarece que não são os “bons”, os que fazem boas obras que vão entrar na nova cidade, mas sim aqueles que têm seus nomes escritos no livro da vida do Cordeiro (Ap 21.27b). Como Jesus tinha lembrado a João e aos outros discípulos quando eles voltaram contentes de sua viagem missionária bem-sucedida (Lc 10.20).
Nota
Esta reflexão bíblica foi originalmente exposta na Assembleia Geral da IFES (International Fellowship of Evangelicals Students), na Polônia, em agosto deste ano.
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Ruth Borges
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