Uma jovem fora criada numa cidade do interior do Brasil, seus pais costumavam reagir mal ao seu piercing no nariz, às músicas que ouvia e ao comprimento de suas saias; de vez em quando eles a repreendiam e ela fervia por dentro. “odeio vocês!”, gritou para o pai quando ele bateu a porta do quarto dela depois de uma discussão. Naquela noite, a jovem realizou um plano que mentalmente já ensaiara dezenas de vezes. Ela fugiu de casa.
A jovem havia visitado São Paulo apenas uma vez, em uma viagem de ônibus com os jovens da igreja. Os jornais de sua pequena cidade descrevia em chocantes detalhes as gangues, as drogas e a violência na cidade de São Paulo; ela concluiu que provavelmente seria o último lugar onde seus pais a procurariam.
Seu segundo dia ali, ela conheceu um homem dirigindo o maior carro que já vira na vida. Ele lhe ofereceu carona, pagou-lhe um almoço e arranjou um lugar para ela ficar. O homem deu-lhe alguns comprimidos que a fizeram sentir-se melhor do que jamais se sentira. Ela se sentiu ótima e concluiu: seus pais não permitiam que ela se divertisse.
A boa vida continuou durante um mês, dois meses, um ano. O homem com o carrão – ela o chamava de “chefe” – ensinou-lhe coisas de que os homens gostam. Sendo menor de idade, os homens lhe pagavam mais. Ela morava em um apartamento pequeno e podia encomendar o que precisava. Ocasionalmente, pensava nos pais em casa, mas a vida deles lhe aprecia tão chata e provinciana que mal acreditava que fora criada ali.
Ela se assustou ao ver sua foto em um cartaz: “Vocês viram essa criança?”. Agora, porém, com o cabelo tingido de loiro, e com toda a maquiagem que usava ninguém a consideraria uma criança.
Depois de um ano, os primeiros sintomas incipientes da enfermidade apareceram, e ela ficou surpresa com a crueldade do chefe. “Hoje em dia, a gente não pode facilitar”, ele rosna; antes que a jovem percebesse, estava na rua sem um tostão. Ela ainda conseguia ganhar alguma coisa de noite, mas não lhe pagavam muito, e todo o dinheiro era usado para manter o vício. Quando chegou o inverno, ela se encontrava dormindo nas grades de metal do lado de fora de uma loja de departamentos do centro de São Paulo. “Dormir” não é a palavra certa – uma adolescente sozinha na noite paulistana não pode nunca baixar a guarda. Estava com olheiras profundas. Sua tosse piorava.
Uma noite ela se encontrava acordada, atenta ao barulho de passos; de repente, tudo ao seu redor pareceu diferente. Ela não se sentia mais como uma mulher do mundo. Sentia-se uma menininha perdida em uma cidade fria e assustadora. Começou a soluçar. Seus bolsos estavam vazios e estava com fome. Precisava de uma dose. Trêmula, encolheu as pernas debaixo dos jornais que empilhara sobre o seu casaco. Alguma coisa acionou uma serie de lembranças e uma imagem preenchia sua mente: ela via o seu cachorro correndo no meio das fileiras das árvores atrás de uma bola.
Deus, por que eu fugi?, ela disse para si mesma, e uma dor transpassa seu coração. Meu cachorro em casa come melhor do eu agora. A jovem estava soluçando e, imediatamente, percebeu que desejava voltar para casa mais do qualquer outra coisa no mundo.
Três telefonemas, todos caindo na secretária eletrônica. Nas duas primeiras vezes, ela desligou sem deixar uma mensagem; na terceira, porém, disse? “Papai, mamãe, sou eu. Estive pensando em voltar para casa. Estou pegando um ônibus e chegarei aí amanha lá pela meia noite. Se vocês não estiverem me esperando, bem, acho que ficarei no ônibus e irei para um outro lugar”.
Foram sete horas de ônibus; durante aquele tempo ela percebia os erros no seu plano. E se os pais estivessem fora da cidade e nem tivessem ouvido a mensagem? Não deveria ter esperado outro dia para poder falar com eles? E, mesmo que estivessem em casa, provavelmente já a consideravam morta há muito tempo. Deveria ter-lhes dado um tempo para se recuperarem do choque.
Seus pensamentos pulavam de lá para cá entre as preocupações e do discurso que estava preparando para o pai. “Papai, sinto muito. Sei que estava errada. A culpa não foi sua; foi minha. Papai, você pode me perdoar?” Ela repetiu as palavras muitas e muitas vezes, com a garganta apertada enquanto as ensaiava. Nos últimos anos não havia pedido perdão a ninguém.
Quando o ônibus finalmente entrou na rodoviária, os freios sibilando em protesto, o motorista anunciou no microfone que a parada naquele lugar duraria somente 15 minutos. Quinze minutos para decidir sua vida. Ela se examinou em um espelhinho, alisou o cabelo e limpou o dente manchado de batom. Olhou para as manchas de fumo nas pontas dos dedos e ficou imaginando se os pais iriam perceber. Se estivessem lá.
A jovem entrou no saguão sem saber o que esperar. Nenhuma das milhares de cenas que passaram por sua cabeça a prepararam para aquilo que viu. Ali, naquele terminal de ônibus de paredes de concreto e cadeiras de plástico, estava um grupo de quarenta parentes, irmãos e irmãs, tios e primos, uma avó e uma bisavó para recebê-la. Todos eles estavam usando chapeuzinhos de festa e assoprando apitos; na parede do terminal havia um cartaz, dizendo?”SEJA BEM-VINDA”.
Da multidão que a recepciona irrompe o papai. Ela olhou para ele através das lágrimas que brotavam dos seus olhos e começou o discurso memorizado: “Papai, sinto muito. Eu sei...”.
Ele a interrompeu. “Quieta, filhinha. Não temos tempo para isso agora. Nada de pedidos de desculpas. Você vai chegar atrasada na festa. Lá em casa há um banquete esperando por você”.
Extraído e Adaptado do livro (Maravilhosa Graça) de Philip Yancey
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