sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Os Salmos e a Música Essencial

A música é ingrediente da minha receita. Não me refiro àquela que eu toco, não o imperfeito louvor ou a frágil adoração que apresento ao meu Criador (ecos longínquos da harmonia essencial que vibra em mim), mas aquela que me criou e ainda se desenvolve em mim, pelo seu Espírito; aquela da qual eu sou feito.




Entretanto, se não sei “tocar a minha música essencial”, pois essa música é tocada em mim, como se Deus tivesse batido gentilmente o meu diapasão (aquele de forquilha, que fica vibrando um tempão em 440 Hz), acho que Deus deseja que eu aprenda o máximo possível sobre o assunto. Como se quisesse me preparar para brilhar no “grande concerto”. Essa é minha forma de entender o propósito mais profundo dos salmos.
Deixe-me explicar. Você já reparou que os salmos foram feitos para ser cantados? Com direito a acompanhamento de instrumentos? São poesia e música. Mesmo os salmos de lamento e os mais angustiados. Veja, por exemplo, o Salmo 22, aquele que começa assim: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” Sim, o salmo da cruz é encomendado “ao mestre de canto, segundo a melodia”.
Pena que tenhamos perdido muito dessas informações (poesia e música), e ficado apenas com a parte cognitiva deles, com sua teologia, seu ensino. Eles existem, penso eu, para nos ensinar mais do que padrões e estruturas de louvor, de oração, de relacionamento com Deus. Eles foram inspirados para nos ensinar a adorar. Eu diria, voltando às nossa metáforas, que os salmos nos ensinam a “musicar” ao Criador.
Para desenvolver esse pensamento, preciso de uma breve digressão sobre aprendizado de estruturas. Quando um jovem me pergunta como pode aprender a escrever bem, digo-lhe para ler muito. Mas não artigos de jornal ou revistas. E muito menos emails. Digo-lhes para ler bons autores brasileiros. Essa leitura, mais do que informar, forma o leitor. Sem que ele perceba, vai adquirindo estruturas de pensamento e de expressão. Recursos e soluções gramaticais e de estilo. Quem lê muito Machado de Assis acaba absorvendo seu modo de pensar e de expressar seu pensamento. E aí, o português vem bonito, limpo, fácil, bem articulado.
A capacidade de articulação verbal é valorizada nos vestibulares e nos concursos de toda natureza. Descobriu-se que as palavras são mediadoras da realidade. Ser capaz de expressar-se é ser capaz de descrever o mundo, interior e exterior; é ser capaz de comunicar-se; é ser capaz de viver em grupo. Esse profissional é valorizado; esse aluno sabe.
Bem, se a leitura forma em nós estruturas de pensamento e expressão, então os salmos formam em nós estruturas de adoração.
Os salmos moldam nosso coração numa vibração própria da adoração. Ao produzirem ressonância (o nosso coração aprende a vibrar com o do salmista), estão nos ensinando a linguagem do coração. É por isso que os salmos são música: são resultado de um processo emocional; são a voz do coração.
Reparou, leitor, que a arte é pura expressão emocional? Ela está para além da razão. Muitas vezes prescinde da razão; outras vezes despreza-a, pela sua incapacidade de dizer o que está lá dentro. A arte é uma forma de derramamento. E a música é um desses canais. Daí o choro e as lágrimas que sempre acompanham os momentos de manifestação ou percepção artísticos mais intensos.
A adoração tem a mesma matriz. Está sempre ligada a “afetos e misericórdias”. E quando a igreja se reúne, diz Paulo, relaciona-se com hinos e cânticos espirituais (Ef 5: 17-19). Ou seja, a igreja é uma reunião de corações.
Os salmos nos ensinam a linguagem do coração. Adestram-nos na competência da expressão de afetos, tais como gratidão, louvor e adoração. E assim, ensinam-nos sobre nós mesmos, pois aprender a expressar afetos passa pelo autoconhecimento; passa por “olhares para dentro”; passa por conversas com a própria alma (lembra-se de Davi? Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro em mim? Espera em Deus…). Sim, conversas a dois e a três (quando Deus é chamado para a conversa, no secreto do quarto).
Um dia descobriremos que, ao sermos formados nos salmos, estávamos aprendendo a “tocar” a nossa pequena participação na grande sinfonia de Deus. Sim, ao “nos tocar”, com seu “haja”, Deus estava tocando o nosso tema de amor.Mas não satisfeito, quis completar sua obra, ensinando-nos a tocá-lo junto com ele. Mais que isso ainda: estava nos dando a oportunidade de usar da nossa liberdade para lhe tocar uma versão nossa, pessoal, dessa sua partitura. Como se quisesse que o surpreendêssemos com um novo estilo, com uma interpretação ao nosso modo.
Quando vier o chamado, estaremos prontos. Uma trombeta dará o tom, e nós nos “desfaremos” em música e adoração (dá no mesmo, já vimos), como aquela criança, filha de compositor, que chega toda alegre ao pai e diz: “pai, aprendi a tocar o tema de amor que o senhor fez para mim, quando eu nasci. Aprendi a tocar a minha música. Quer ouvir?

Extraído do blog? Rubem Amorese

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