Lendo estas palavras de C.S. Lewis lembrei da minha infância. Passava a semana no orfanato onde minha avó era diretora. O regime era de semi-internato e, ao final da tarde, as mães passavam para buscar seus filhos, o que me deixava sozinho naquele mundão de longos corredores, portas altas e salas enormes. Boa parte do meu tempo era dedicada a satisfazer a curiosidade abrindo gavetas e armários para ver os tesouros que porventura guardavam. Eu entrava em tudo quanto era canto daquele imenso casarão, e não demorou muito para que eu o conhecesse nos mínimos detalhes. Mas não completamente: algumas salas, e mesmo alguns armários ou gavetas de mesas eram trancadas. As chaves ficavam penduradas na cintura da minha avó, dotadas de um dispositivo simples anti-meninos bisbilhoteiros: o barulho - era impossível pegar aquele molho de chaves sem que ela escutasse.
Hoje eu sei porque meu acesso era restrito. No segundo andar, por exemplo, havia um grande salão entulhado de mesas, cadeiras, armários velhos e um sem número de caixas amontoadas. Não duvido que a porta trancada me livrou de ser soterrado por aquelas tranqueiras empoeiradas numa noite qualquer. A dispensa também era trancada, obviamente. Caso contrário, provavelmente eu teria sido encontrado desacordado atrás de alguma prateleiras, com a barriga estufada, esquecido de que aqueles chocolates e biscoitos não eram de um menino só, mas de uma multidão de meninos famintos de doces e sonhos.
A vida é assim. Tem dimensões perigosas ou preciosas demais para transitarmos sozinhos com plena liberdade. Por isso Deus tranca algumas portas e nos obriga a buscar as chaves com Ele. Isso explica a oração.
Ed René Kivitz
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